sábado, 6 de março de 2010

Um olhar sobre a questão social no meio rural:

Para entender o processo exclusão social no meio rural, é preciso analisar e recorrer a história, apreendendo como a questão agrária se desenvolve no campo, no decorrer do desenvolvimento do modo de produção capitalista brasileiro.

A questão agrária não surge, no Brasil, junto com o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ela é característica do mundo contemporâneo, é uma questão política e tem suas origens na "propriedade territorial e o pagamento da renda da terra ao proprietário, o que representa a reprodução ampliada do capital e a acumulação capitalista na agricultura". (MARTINS, 1997:61)
A questão agrária começa a se definir quando o Estado, dominado por uma elite rural, e pressionado pelo mercado externo que queria expandir-se, resolve acabar com o regime de escravidão. Até então, a regulamentação da terra era através da chamada sesmarias.
Sem os escravos para trabalhar nas fazendas, era necessário criar um sistema em que os/as trabalhadores/as livres não ocupassem as terras disponíveis, pois quem ia trabalhar nas fazendas. A solução encontrada foi aprovar a Lei de Terras (Lei nº 601 de 1850), que impedisse o acesso fácil a propriedade da terra. Para consegui-la era necessário pagar por ela. Essa mesma legislação previa a imigração de trabalhadores/as europeus para substituir os/as escravos/as nas fazendas.
Nesse momento, o direito de propriedade que se instala no Brasil tem como objetivo que se estende até os dias atuais: tornar o trabalho em terras dos grande proprietários, o único meio de sobrevivência dos pobres. "Trata-se, portanto, num país que tem vastas extensões de terras subutilizadas em mãos de proprietários particulares, de criar um meio artificial de forçar quem não tem terra a servir quem tem". (MARTINS, 1997:66)
A Lei de Terras criou um problema que se estende até hoje: a concentração de terra, em benefício exclusivo dos que tem terra, dinheiro e poder.
A relação que se estabelecia entre o proprietário da terra e os/as camponeses/as era de troca e submissão ao senhor. A família camponesa poderia utilizar uma pequena faixa de terra para plantar seus produtos de subsistência e dispunha de uma casa para morar dentro da fazenda. Isso não se tornou grande problema até o Brasil entrar no processo de industrialização e expandir seu mercado para o campo.
A partir dos anos 50, com a chamada modernização tecnológica no campo, começa a expropriação e expulsão dos colonos, rendeiros, arrendatários, meeiros das grandes fazendas. Terminava aqui o regime de colonato, iniciado com o fim da escravidão.
Com a modernização tecnológica, vem as mudanças nas relações de trabalho e aprova-se o Estatuto da Terra (1962) e nas décadas de 70 e 80 assisti-se a modernização conservadora na agricultura brasileira.
Nesse processo, o Estado passa a ter papéis e funções fundamentais como organizador da economia e administrador das crises advindas das contradições do capitalismo monopolista. A inserção e intervenção do Estado na economia garantem a implementação de um projeto de modernização conservadora na indústria e na agricultura. A elite brasileira acelera o processo de concentração e centralização do capital.
No campo, teve-se um dilema: promover a modernização atendendo aos interesses do capital monopolista e responder, de alguma forma, os setores organizados na luta pela terra e pela reforma agrária no pré-64. A estratégia do Estado é garantir um aparato estatal que atendesse aos interesses dos latifundiários, empresas e grupos econômicos e para a massa de trabalhadores/as rurais sem terra e pequenos proprietários restou a exclusão progressiva do modelo de desenvolvimento implantado.
O objetivo central do projeto de modernização foi alterar a estrutura de produção agrícola, equiparando seu padrão de produtividade aos países mais desenvolvidos. Assim, o Estado como regulador e financiador vai contribuir com a industrialização no campo, através de incentivos fiscais, políticas de crédito agrícola, regulação fundiária, entre outros.
As conseqüências desse momento são terríveis: o aumento da pauperização no campo provoca um expressivo êxodo rural; crescendo de forma significativa a população urbana ; a violência do grande capital; a entrada de empresas no campo; o aumento dos conflitos agrários; a violência institucionalizada contra os/as trabalhadores/as rurais; a concentração de terra e de renda; a expropriação. Tudo isso, é conseqüência da expansão do capital – industrial, comercial e financeiro – no campo, em dois eixos: a formação do complexo agro-industrial e a valorização do mercado de terras.
Esse estilo de desenvolvimento econômico não se deu de forma tranqüila e pacífica. Registra-se o aumento das lutas de resistência dos pequenos proprietários, posseiros, arrendatários, meeiros e outras categorias de trabalhadores rurais, apoiadas pelo movimento sindical rural (CONTAG) e por setores da Igreja Católica (CNBB, CEBs, MEB, CPT).
Os anos 90, não foram diferentes. Acentua-se a concentração de renda e de terra e agrava-se a questão social e as desigualdades, agudizadas pelo processo de globalização da economia e o reajuste estrutural do capitalismo financeiro. Por outro lado, os/as trabalhadores/as rurais continuam sua luta em defesa pela terra e criam outros movimentos importantes como, por exemplo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Estes estabelecem o confronto direto com o latifúndio; publicizam a questão agrária; ganham apoio de setores da sociedade e pressionam o Estado a executar uma política agrária que favoreça a massa de despossuídos/as rurais.
Todas essas modificações e processos vivenciados no campo geram problemas de excedente populacional rural que não é absorvido pela grande propriedade e que não tem terra. Começa efetivamente a existir os/as excluídos/as do campo, uma massa sobrante que não tem lugar nem vida, sendo absorvida pelo assalariamento rural nas agroindústrias em condições precárias e sem direitos trabalhistas, previdenciários e sociais; além do trabalho escravo em grandes fazendas; ou até migrando para os grandes centros urbanos, se aglomerando nas periferias das cidades e vivendo em miséria, se inserindo na economia marginal. A expulsão da terra não cria cidadãos.
Segundo Martins, não existe exclusão social e sim uma inclusão precária, instável e marginal. "A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há senão na sociedade, lugares residuais". (MARTINS, 1997:26)
O capitalismo implementa uma lógica de desenraizamento e exclusão para que tudo e todos/as sejam jogados/as no mercado. A lógica é a acumulação, circulação e reprodução do capital. Os/as camponeses/as foram expulsos/as da terra para que o capital possa se expandir na agricultura brasileira. A sociedade capitalista desenraíza para incluir segundo sua lógica.
Essa população sobrante tem poucas chances de ser reincluída nos modos de produção e no mercado de trabalho. As formas de sobrevivência têm se tornado um modo de vida próprio dessa população que dificilmente se reintegrará na sociedade.
É como se estivesse existindo duas humanidades: uma população rica e pobre, integrada, detentora das condições materiais de sobrevivência e inserida de algum modo no circuito das atividades econômicas. Uma outra sub-humanidade, uma população incorporada no trabalho precário, no trambique, no mercado ilegal das drogas e da marginalidade. São tratados como cidadãos de segunda categoria e sofrem todos os tipos de privações, humilhações e dificuldades. É a própria degradação da vida e do ser humano.
O problema agrário está colocado: uma grande área de terras subutilizada, empregada de modo impróprio ou especulativo, sobretudo como reserva de valor. Ao mesmo tempo uma massa de homens, mulheres e crianças submetidas a condições miseráveis, penalizadas pelos mecanismos da exclusão social, instauradas no Brasil desde o século XIX.

fonte:www.ccsa.ufrn.br/anais/ix_seminario/dados

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente e fique a vontad para expressar sua opnião